Em janeiro deste ano, quando o coronavírus recém começava a ganhar espaço nos noticiários e nas medidas governamentais, nem os mais pessimistas acreditavam que os impactos econômicos (e claro, na saúde da população) tomariam tais proporções.
Neste período de pandemia, todos os acontecimentos relacionados ao vírus mexem com os ânimos do mercado. Por isso, esta reportagem tem como objetivo realizar um compilado de informações de como a Covid-19 impactou a economia no Brasil até agora, com foco voltado para os investimentos.
Na primeira parte, a queda nas taxas de referência e a rentabilidade cada vez menor nos investimentos de renda fixa. Mesmo assim, ficando acima da inflação e proporcionando rendimentos reais, claro, em virtude da Covid-19. Aqui, cada opção de investimento terá uma explicação individual, acrescentado dos efeitos causados e os atuais rendimentos, para que investidores iniciais – e até mesmo quem não investe – compreendam como as opções mais conservadores e acessíveis tiveram consequências.
No que se refere à renda variável, como ela faz o óbvio, varia, na crise, há quem chore e há quem venda lenços. Por mais que seja impossível prever quando, como e por quanto tempo haverá uma crise, o fato é que terá uma próxima, pois ela faz parte do ciclo econômico, definido por Schumpeter em quatro fases: boom, recessão, depressão e recuperação. Enquanto muitos acabam (infelizmente) quebrando e passando por sérios problemas financeiros, outros vêem o atual cenário como a melhor oportunidade dos últimos tempos para quem pensa no longo prazo.
Partindo do princípio de que o investidor de perfil agressivo, que investe na renda variável, já possui experiência e conhecimento, não entraremos em questões técnicas e explicativas de cada investimento (como feito na RF). Relatando então os acontecimentos até o momento e integrando diversas fontes, na tentativa de abordar as relações entre os acontecimentos e o mercado, o porque de tais impactos, e o que esperar do futuro no curto prazo. Mesmo assim, o entendimento é garantido até para aqueles que não possuem experiência.
Vale destacar que esta matéria têm como primórdio o cunho jornalístico e informativo, não sendo portanto, recomendação de compra ou venda. O conteúdo aqui apresentado foi finalizado até o dia 04 de maio. E lembrando, rentabilidade passada não é garantia de retorno futuro.
Inflação – Rentabilidade Real
Antes de entrar a fundo em questões individuais de cada investimento, é importante conhecer – ou relembrar – o conceito de inflação e o porque ela deve sempre estar presente na análise de resultados.
Inflação é o aumento dos preços de bens e serviços de uma economia. Se você é dos que lembram o tempo em que R$ 50,00 compravam muito mais itens do que atualmente no supermercado, saiba que a culpa é da inflação, que ocasionou a diminuição do poder de compra da moeda.
Quando ocorre o contrário de inflação, ou seja, a queda dos preços de bens e serviços, o nome dado é deflação. E por mais que pareça, a deflação não é algo positivo ou desejável, pois quando frequente pode ser prejudicial para o funcionamento da economia, visto que famílias e empresas adiam suas compras aguardando o preço cair. Com isso, a cadeia produtiva acaba tendo prejuízo, e isso pode desencadear uma série de ações, como inclusive demissões em massa.
Vale lembrar que a deflação é diferente da desinflação, esta, quando os preços continuam subindo, porém em um ritmo mais lento.
Mas por que associar inflação com o resultado de um investimento? A resposta é simples e está no próprio conceito. A inflação ocasiona a diminuição do poder de compra da moeda, por isso é necessário calcular a rentabilidade real de uma aplicação, ou seja, o resultado descontado de inflação.
Para facilitar o entendimento, vamos imaginar um investimento de R$ 5.000,00 com rendimento de 5% ao ano. Após um ano, haverá na conta o saldo de R$ 5.250,00. Porém, supondo uma inflação de 3% no período, foi necessário R$ 150,00 apenas para manter o poder de compra. Sendo assim, a rentabilidade real dessa aplicação foi de R$ 100,00 ou 2%.
Neste ano de 2020, a pandemia de coronavírus fez as estimativas caírem. Conforme o último boletim Focus, publicado pelo Banco Central no dia 04 de maio, as instituições financeiras projetam o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 1,97%. Ficando assim, bem longe da meta estipulada em 4% e abaixo da margem de tolerância de 1,5%. Para 2021, a estimativa de inflação é de 3,30%, também abaixo da meta.
Taxas: Selic – DI – Referencial
Nos investimentos de renda fixa, a remuneração é previamente definida, tornando possível que o investidor saiba exatamente quanto irá receber com a aplicação. Dentre os indicadores de referência para esses investimentos, estão a Taxa Selic, Taxa DI (também conhecida como CDI) e Taxa Referencial.
A Selic é a taxa básica de juros da economia brasileira, sendo o principal instrumento do Banco Central para controlar a inflação. A sigla vem de Sistema Especial de Liquidação e Custódia, que é o programa onde os títulos do Tesouro Nacional são negociados pelas instituições financeiras. Com isso, o Banco Central tem controle na emissão, compra e venda desses títulos.
A Taxa Selic é dividida em duas: A Selic Meta é a que estamos acostumados a ver nos noticiários. Ela é definida a cada 45 dias pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC e influencia todas as taxas de juros do Brasil, como as cobradas em empréstimos e financiamentos e os rendimentos em aplicações financeiras.
Já a Selic Over é a que de fato vemos no mercado. É praticada quando um banco empresta dinheiro para outro, usando como garantia os títulos públicos. Ela é calculada diariamente considerando a média ponderada dessas transações. Como os bancos têm liberdade para negociar as taxas entre si, a Selic Meta serve também como parâmetro para a Over. Historicamente, a diferença entre as duas é em torno de 0,10 ponto percentual, sendo a taxa Meta a maior.
A mudança na Taxa Selic influencia diretamente o comportamento da economia. em geral. Como ela é referência para outras taxas, a redução na Selic possibilita fazer um empréstimo ou comprar a prazo com juros menores, ou seja, o crédito fica mais acessível para a população. Assim, o dinheiro circula mais e estimula o consumo, o que por outro lado, faz a inflação subir. Investimentos atrelados à Selic (e ao DI como veremos abaixo) passam a render menos.
Quando a Taxa Selic sobe, o efeito é o oposto. Juros de empréstimos e crédito ficam mais alto. Os rendimentos de aplicações atrelados também sobem, tornando mais vantajoso fazer um investimento. Logo, o consumo é desestimulado e a inflação é controlada.
Na tentativa de conter o impacto causado pelo coronavírus, o Copom anunciou em 18 de março, a redução da Selic para 3,75%. A decisão já era esperada pelo mercado após o FED (Banco Central Americano) cortar a taxa de juros em uma reunião emergencial, deixando assim, a taxa de juros dos Estados Unidos entre zero e 0,25%.
Mesmo assim, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já sinalizou um novo corte na Selic. A próxima reunião do Copom é no dia 06 de maio, e o mercado prevê a queda para 3,25%. Ainda passam a estimar um outro corte, deixando a taxa em 2,75%, patamar que encerraria o ano de 2020.
A Taxa DI, abreviação de Depósito Interbancário, caminha muito próxima à Selic. Como os bancos não podem terminar o dia no negativo, acabam recorrendo ao mercado interbancário para realizar empréstimos de curtíssimos prazos. Para essa transação, é emitido um Certificado de Depósito Interbancário, ou simplesmente CDI, como a taxa também é conhecida. A média das taxas de juros desses empréstimos é que determina a taxa DI (ou CDI). A diferença das transações da Selic Over, é que neste caso não há títulos públicos como garantia. Atualmente a Taxa DI é de 3,65% ao ano.
Outra taxa que influencia, ou melhor, influenciava investimentos é a Taxa Referencial. A TR foi criada em 1991, com o principal objetivo de controlar a hiperinflação. Porém, como ela está zerada desde setembro de 2017, não entraremos em maiores detalhes.
Poupança
Mesmo perdendo para a inflação em certos períodos, causando rendimentos reais negativos, a poupança ainda é a aplicação financeira preferida dos brasileiros. Em 2019, a caderneta liderou com 65% entre as modalidades de investimento, conforme levantamento feito pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil).
A poupança vinha de uma queda de 65% na captação líquida de 2019 em comparação a 2018, quando foram depositados R$ 13,23 bilhões e R$ 38,26 bilhões, respectivamente, a mais do que os saques. O ano passado também foi inferior a 2017, que teve um saldo de R$ 17,1 bilhões.
Com a pandemia de coronavírus, a captação bateu recorde no mês de março, superando os saques em R$ 12,17 bilhões. Para fins de comparação, no ano de 2019, o mês de março registrou uma captação líquida – diferença entre depósitos e saques – de R$ 1,85 bilhão.
Para entendermos quanto rende a caderneta, é importante destacar que ela possui duas regras de cálculo. Na chamada poupança antiga, que vale para depósitos feitos até 03 de maio de 2012, o rendimento é de 0,5% ao mês mais a Taxa Referencial, atualmente zerada como vimos acima. Totalizando assim, 6,17% ao ano.
Na nova poupança, a rentabilidade acompanha a Taxa Selic. Quando ela está superior a 8,5% ao ano, a poupança rende 0,5% ao mês mais a TR (6,17% ao ano). Porém, quando a Selic estiver abaixo de 8,5% ao ano, o rendimento é de 70% da taxa básica.
Com a taxa básica de juros no patamar atual, de 3,75%, a poupança está rendendo cerca de 2,62% ao ano.
Tesouro Direto
Mesmo a poupança sendo a queridinha dos brasileiros, com a Selic em baixa, muitos buscaram outras opções de investimentos com melhores rentabilidades e a mesma comodidade. Uma delas, é o Tesouro Direto, que chamou a atenção de quem procura um investimento conservador, pois como é 100% garantido pelo Tesouro Nacional, acaba sendo o investimento mais seguro do país.
Tesouro Direto é a plataforma de negociação onde pessoas físicas podem adquirir títulos públicos federais. Em outras palavras, é como “emprestar” dinheiro ao Governo Federal. E já que o objetivo foi democratizar o acesso aos títulos, é possível investir a partir de R$ 30,00.
As aplicações e resgates são feitos de forma digital, através do site ou aplicativo oficial. Além disso, os títulos possuem liquidez diária, então caso você necessite da quantia aplicada antes do vencimento, o Tesouro recompra os papéis, de acordo com o preço de mercado naquele dia. Não à toa, o número de investidores cadastrados alcançou a marca 6.512.580, o que representa aumento de 71,3% nos últimos doze meses, segundo o balanço do Tesouro publicado em 24 de abril.
Os únicas custos cobrados para investir no Tesouro são a custódia, de 0,25% ao ano, e a taxa de administração da corretora, que varia e em algumas é grátis. Sobre o lucro, o imposto de renda é calculado através da tabela do IR, que é regressiva e diminui conforme o tempo da aplicação:
- Prazo de investimento de até 180 dias – Alíquota de IR de 22,50%
- Prazo de investimento de 181 até 360 dias – Alíquota de IR de 20,00%
- Prazo de investimento de 361 até 720 dias – Alíquota de IR de 17,50%
- Prazo de investimento acima de 720 dias – Alíquota de IR de 15,00%
Porém, enganou-se quem achou que a pandemia de coronavírus sequer mudaria drasticamente o cenário do investimento mais conservador. A volatilidade no período de incertezas foi tanta que o Tesouro chegou a suspender todas as negociações por dois dias. Certo momento, o Tesouro mudou o procedimento e passou a deixar o Tesouro Selic (veremos as modalidades abaixo) aberto, mesmo em dias de suspensão. Além disso, todos os rendimentos foram impactados.
Para entendermos a rentabilidade atual do Tesouro Direto é importante saber que ele possui três tipos de títulos. O primeiro, e mais utilizado para investimentos de curto prazo e/ou reservas de emergência, é o Tesouro Selic. Como o próprio nome sugere, seu rendimento está atrelado à taxa básica de juros, rendendo 100% da Selic + 0,03%.
Outra opção de títulos são os prefixados. Nesta modalidade, a rentabilidade anual é fixa e apresentada na hora da aplicação, tornando possível que o investidor saiba exatamente quanto irá resgatar no futuro. Os prefixados costumam ser adquiridos em momentos que acredita-se que a taxa de juros vai cair. Ainda possui uma variação, o prefixado semestral, onde os juros do período são pagos a cada seis meses.
Por fim, ainda há títulos atrelados à inflação, o Tesouro IPCA, que paga – como o próprio nome sugere – o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais uma porcentagem fixa, também explicita na hora da compra dos títulos. Assim como nos prefixados, também é possível adquirir títulos com juros semestrais. A vantagem do Tesouro IPCA é que não existe perda do poder de compra, pois como eles rendem a inflação e mais um pouco, sempre terá rentabilidade real.
Porém, com a pandemia de coronavírus, muitas pessoas precisaram vender seus títulos antecipadamente e tiveram uma surpresa nada agradável: rendimentos negativos. Isso mesmo, negativos! A explicação está na marcação à mercado.
Como os títulos (com exceção do Tesouro Selic) são precificados diariamente, conforme expectativas do mercado para o futuro, é normal que o rendimento esteja superior ou inferior do que o apresentado na hora da aplicação. Mesmo com essas variações, quem segurar o até o vencimento irá receber exatamente a taxa contratada.
Para facilitar o entendimento, vamos imaginar que você adquiriu um título prefixado que rende 7% ao ano e com vencimento para 2026. Supondo que certo tempo depois, o mesmo título, com o mesmo prazo, esteja rendendo 8% ao ano, logo, ele está mais vantajoso do que o título que você possui, então na marcação a mercado o seu desvaloriza (o que aconteceu neste cenário de coronavírus). O efeito também pode ser o contrário, se ao invés de subir para 8% ao ano, ele caia para 6% ao ano, o seu título estará em vantagem, e por isso subirá de valor.
O grande problema é que muitos investiam no Tesouro como reserva de emergência e precisaram sair do investimento no vermelho. No mês de março, os resgates superaram as emissões de novos papéis em R$ 780 milhões.
CDB
Parecido com CDI, onde bancos fazem empréstimos uns com os outros, no CDB quem empresta dinheiro para a instituição financeira é o investidor, recebendo após certo período seu capital de volta acrescentado de juros. A sigla vem de Certificado de Depósito Bancário, o documento emitido com os dados dessa operação.
Considerado uma das principais opções de renda fixa, o CDB também ganha destaque no quesito segurança. Isto porque conta com a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) em até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ em cada instituição, chegando a um teto máximo de proteção de R$ 1 milhão.
Os CDB’s possuem três tipos de rendimento: Pós-fixados, atrelados a um indexador da economia, geralmente a Taxa DI; Prefixados, com uma remuneração fixa; Híbridos, que mesclam uma parte fixa e uma variável, como IPCA+2%, por exemplo.
O imposto de renda para lucros auferidos com os certificados segue a tabela regressiva (disponível acima). Outro tributo é o IOF, Imposto sobre Operações Financeiras, que incide também apenas nos rendimentos e somente se o investidor solicitar o resgate durante os primeiros 30 dias após ter feito a aplicação.
Dentre os mais populares, estão os pós-fixados atrelados ao CDI, no patamar atual de 3,65%. Um CDB que possui liquidez diária (opção para reserva de emergência) e rende 100% do CDI, obviamente equivale a um rendimento de 3,65% ao ano, sem descontar o imposto de renda que é regressivo. Já em um CDB que possui um prazo de vencimento maior, é possível encontrar rentabilidades como 125% do CDI, neste caso, 4,56% ao ano (sem considerar o IR).
LCI/LCA
As LCI e LCA significam Letra de Crédito Imobiliário e Letra de Crédito do Agronegócio, respectivamente, e são títulos emitidos por um banco para financiar as atividades destes setores. Assim como as demais opções de renda fixa citadas acima, o investidor recebe uma rentabilidade expressa através de uma taxa anual, definida no momento da aplicação, e podendo ser pós-fixada, prefixada ou híbrida.
Outro ponto que as letras convergem com o CDB é a proteção, sendo também garantida pelo FGC. Porém, a divergência – e positiva para as letras – é a isenção de imposto de renda, fazendo com que em algumas ocasiões seja o investimento mais rentável dentre a renda fixa.
É possível encontrar LCI ou LCA com vencimento de curto prazo, pagando 95% do CDI, ou seja, 3,46% líquido ao ano, pois não há pagamento de IR. Com prazos e/ou investimento mínimo maior, as letras chegam a pagar 105% do CDI, rendendo 3,83% líquido ao ano.
Moedas e Criptos
No mercado cambial, só em 2020, o dólar chegou a registrar uma alta de quase 40%, quando operou acima dos R$ 5,70, novo recorde histórico (sem considerar a inflação). Conforme levantamento da Tendências Consultoria, realizado em janeiro e fevereiro, e divulgado pelo G1, o real foi a moeda que mais perdeu valor em relação ao dólar neste ano. O ranking considera 31 moedas dos principais países do mundo. No euro, a alta no ano é de aproximadamente 343, com a moeda sendo vendida superior a R$ 6,00. Para tentar combater a alta do dólar, o Banco Central já vendeu mais de US$ 25 bilhões, até a primeira semana de abril. Segundo o próprio BC, o estoque de reservas internacionais é de US$ 343,2 bilhões em março.
O advogado e economista Lucio Antunes comenta sobre as influências da moeda americana. “Basicamente a alta do dólar, que em outras palavras é a desvalorização do real, atinge de forma positiva toda a indústria nacional. É claro, que dependendo do tipo de setor e da forma emergente ou madura de determinada empresa dirá qual será o impacto, visto que muitas possuem de fato capital empregado, mas outras ainda bastante dependentes não só de insumos mas de bens finais para fins de industrialização, nesse caso, o fator econômico da tecnologia, principalmente” diz.
Para o economista e professor na Universidade Franciscana Mateus Frozza, o dólar disparou a R$ 5,75 não motivado exclusivamente pela pandemia. “Ele dispara devido a um fator de instabilidade gerada no país, por um movimento político por parte da presidência da república, que foi tirar o [então] ministro da justiça Sérgio Moro e o [então] ministro da saúde Henrique Mandetta. Isso perde confiança, nós perdemos credibilidade frente ao mercado, frente aos investimentos. As pessoas saem da bolsa de valores e começam a investir em dólar, esse é o movimento que acontece no momento. Quanto se fala em investimento em ouro, se verifica pouco investimento no metal, mas pode vir a aumentar. Então hoje o investimento seguro é investir em dólar, e também em ouro. Mas [a alta] foi motivada por dois fatores, o fator da Covid-19 e o fator político do ambiente de incerteza gerado por nós mesmos” argumenta.
Frozza explica que “o dólar alto é ruim e impacta na economia como um todo, tendo um efeito disseminador. Em um primeiro momento ele chega na energia elétrica, pois nossa energia vem de Itaipu e é cotada em dólar. Depois chega nos produtos de saúde, o que é ruim nesse momento, porque boa parte da matéria prima e equipamentos são comprados em dólar. No terceiro momento ele chega na alimentação e pressiona os preços. E na alimentação ele chega no ‘pãozinho’, no trigo, na carne, também no óleo de soja. Então o impacto na alimentação ele demora um pouco, primeiro é na energia e depois nos preços relacionados à saúde”.
Antunes ainda detalha o impacto por alguns setores da economia. “Também afeta momentaneamente de forma ótima o agronegócio, pois este em fase de colheita e venda de commodities, especialmente soja, consegue exportar a preços mais atrativos. Contudo, é cruel a desvalorização para o próprio agronegócio se estes patamares de preço se mantiverem quando do início de compra de insumos para plantação, por exemplo, haja vista que a dependência externa [importação] ainda é enorme. O varejo comercial, é outro grande setor da economia brasileira, atrelada a consumo, que possui vantagem, porque em ganho de escala consegue entregar a preços mais baixos produtos antes comprados no mercado internacional, ou seja, consegue liquidar estoque. Para ir além, grandes indústrias ou empresas prestadores de serviço acabam tendo vantagens e desvantagens, pois muitos conglomerados econômicos, que pelas taxas históricas de juros brasileiras serem altas, acabam possuindo dívida em dólar, o que naturalmente fará com que tenham sérios prejuízos, se não a falência”, relata.
Dentre as moedas digitais, a de maior destaque mundial, o Bitcoin, vinha de alta desde fevereiro de 2019, saindo do patamar de aproximadamente US$ 3.500,00 para mais de US$ 11 mil em julho. Em fevereiro deste ano, a cripto estava acima dos US$ 9 mil. O impacto do coronavírus, aliado a guerra de preços no petróleo, (como veremos abaixo) é notado facilmente no Bitcoin ao analisar o gráfico entre os dias 6 e 12 de março, onde o preço unitário da moeda caiu para cerca de US$ 4.500,00, totalizando uma queda superior a 52%.
No cenário geral, João Prodorutti, analista do criptomercado, comenta sobre o dia 12 de março, que registrou uma queda no market cap das moedas digitais em 38,3%. “A queda já era prevista, assim como em todos os outros mercados globais, porém ninguém esperava que fosse tomar tais proporções. Como o criptomercado possui um alto risco, em virtude da grande volatilidade e especulações envolvidas, juntamente com a FoMO (Fear of Missing Out), a resposta no preço foi ocasionada de forma mais rápida e repentina, pegando todos os investidores e analistas da área de surpresa. E com isso, resultou em uma queda ainda maior por conta do medo. O market cap das criptos caiu US$ 84,3 bilhões somente naquele dia. Um ótimo exemplo de efeito manada”, comenta.
Por outro lado, ele destaca a rápida recuperação. “Surpreendentemente, por ser um mercado descentralizado, e com isso sem interferência interna, o retorno para o patamar pré-crise, acima dos US$ 240 bilhões no valor de mercado total foi mais rápido do que qualquer outro investimento, se mostrando, ao contrário da visão popular, o mercado mais resiliente do planeta. No dia 29 de abril, exatamente 48 dias após a grande queda do dia 12 de março, o market cap já estava no patamar anterior, subindo cerca de US$ 109.5 bilhões”, acrescenta.
Fundos de Investimentos Imobiliários (FII)
Forte recuperação de crescimento. Essa era a expectativa para o setor imobiliário antes do coronavírus espalhar-se pelo mundo inteiro e medidas de isolamento social serem adotadas. A confiança neste mercado era tanta que o número de investidores pessoa física em fundos imobiliários triplicou em um ano, passando de 230 mil em janeiro de 2019, para 714 mil no primeiro mês de 2020.
Devido a pandemia, o IFIX, índice que acompanha o desempenho das cotas dos fundos, chegou a cair até 27% durante o mês de março. Somente no dia 18 daquele mês, o índice teve uma redução superior a 13%, em virtude da determinação do Governo de São Paulo para fechamento de shoppings.
Essas medidas de prevenção ao coronavírus têm impacto direto no rendimento dos FIIs, e por isso, alguns já suspenderam o pagamento de proventos aos acionistas. Para Rodrigo Romero, sócio e economista da Inside, “O maior impacto será nos fundos de shoppings por conta do fechamento total das operações. Os shoppings perderão parte da receita do período e terão que estudar alternativas de apoio que poderá impactar o fluxo de recebimentos no curto prazo. Esse impacto deve ter sido quase que totalmente precificado, pois o mercado se antecipa aos resultados, pelo menos em parte dele” relata.
Nathan Martins, assessor da Cordier Investimentos, comenta o risco relacionado aos fundos. “Sim, eles podem quebrar. Os de shoppings são fortemente afetados, pois estão fechados. [Para facilitar o entendimento] imagine que você recebe um salário de 2 mil reais, e você tem aluguel para pagar, roupa parcelada, algo de lazer, as vezes ainda pode ter umas férias que está pagando. Agora pense que você irá parar de receber durante três meses. No fundo imobiliário funciona dessa mesma maneira. Dependendo a área que eles estão inseridos, correm sérios riscos deles quebrar, mas isso vai depender da paralisação, por quanto tempo iremos ficar parados”, explica. E acrescenta, “os fundos mais alavancados e que tem um menor patrimônio líquido, ou seja, reservas de sobra de dinheiro, vão ser os primeiros a quebrar [caso venha a ocorrer]. E isso impacta de uma maneira muito ruim tudo que é menor”.
Na mesma linha de pensamento, a Liga de Mercado Financeiro da Universidade Federal de Santa Maria relata que é extremamente raro que um FII “quebre”, mas que risco existe. “Um cenário de crise econômica prolongada, com níveis de vacância e inadimplência extremamente altos, aumenta as chances de vermos fundos indo a falência. Nestes casos, o regulamento do fundo detalha todas as possibilidades sobre o que acontece com o capital do cotista. O período atual, de muita dificuldade e cautela, já está causando um impacto de curto prazo na geração de renda passiva dos fundos, advinda da distribuição de lucros. No entanto, os fundamentos de longo prazo tendem a permanecer, e as boas práticas de investimento são mais essenciais do que nunca para garantir um resultado satisfatório”, elucida.
O impacto também pode ser relacionado a fundos de lajes corporativas, onde pode ocorrer demissões. No entanto, neste período de reclusão as vendas online devem crescer exponencialmente, reduzindo as consequências em fundos de logística. Mesmo assim, a queda nas vendas de mercadorias e prestação de serviços dificultar os inquilinos de honrar o aluguel em dia. Quanto aos fundos de papel, cujas carteiras são compostas por títulos de renda fixa atrelados ao mercado imobiliário, a LMF UFSM comenta que é necessário ressaltar o aumento do risco de crédito. “Estes investimentos devem ser analisados com cuidado, visto que em um cenário de crise econômica, os níveis de inadimplência no pagamento dos títulos rendem a crescer. O investimento em fundos com carteiras bem diversificadas é uma maneira de mitigar parte deste risco”, explana.
Apesar disso, Martins considera que a recuperação desses ativos deve ser rápida. “A Taxa Selic está em sua mínima histórica, em 3,75% ao ano, e devido ao coronavírus provavelmente vai ser reduzida. Isso torna os juros mais baratos, pra você pegar dinheiro no mercado é mais barato. Então após a crise vai ter mais dinheiro rodando, dando impacto positivo, pelo menos no início, para os fundos imobiliários”, argumenta.
Por outro lado, Romero considera que a recuperação deve ser gradual. “É muito difícil prever isso. O que achamos [Inside] é que uma parte importante já foi ‘deduzida’ do preço dos ativos e, se feito de forma moderada, o mercado pode ter dado uma oportunidade de investimento. Sempre com cautela, pois o impacto real saberemos com o tempo e ele pode ser pior ou melhor do que o esperado, o que deve trazer bastante volatilidade” explica.
Commodities
O ouro sempre foi considerado o porto-seguro dos investimentos, ou seja, bom para momentos de crise e insegurança, como o cenário atual ocasionado pelo coronavírus. Porém, a tensão dos mercados foi tanta que o metal precioso chegou a cair cerca de 12% em uma semana, com o valor da onça (cerca de 28,3 gramas) saindo de aproximadamente US$ 1.680 para em torno US$ 1.472. Mesmo assim, a queda foi menor em comparação com os demais mercados, e o ouro já retomou a alta, estando quase no patamar do recorde histórico de agosto de 2011, em US$ 1.883.
A Liga de Mercado Financeiro da Universidade Federal de Santa Maria explica que “o preço do ouro vem subindo de maneira acentuada desde setembro de 2018, quando já existia uma certa preocupação do mercado com o possível final do ciclo de crescimento da economia global. Desde então, diversos investidores e até mesmo os bancos centrais de alguns países, principalmente China e Rússia, vem aumentando suas posições na commodity. As quedas recentes no preço do ouro são resultado de investidores diminuindo ou zerando suas posições para realizar lucros, aumentar seu caixa e cobrir margens ou prejuízos em outras classes de ativos, além de aproveitar oportunidades de adquirir tais ativos à um preço descontado em meio ao pânico generalizado dos mercados”.
A LMF UFSM ainda destaca que “tais quedas são momentâneas e não descaracterizam o ouro como um investimento atrativo em períodos de crise, visto que as características do ativo se mantêm. O ouro sobreviveu à inúmeros testes do tempo como um dos ativos financeiros mais antigos da história, e ressalta-se a condição naturalmente deflacionária do mesmo, já que a oferta de ouro é limitada à disponibilidade do minério no mundo”.
Aliado ao coronavírus, outro fator que puxou todos os mercados para baixo foi a guerra de preços do petróleo, travada entre Rússia e Arábia Saudita após não chegarem a um acordo para a oferta da commodity. O forte resultado da guerra de preços entre os dois países foi sentido inicialmente na segunda-feira, 09 de março, onde os preços chegaram a cair mais de 30%. Encerraram o pregão a US$ 30,18 no WTI (-27,3%) e US$ 33,61 no Brent (-26,1%).
O advogado e economista Lucio Antunes explica o motivo que ocasionou a guerra de preços. “O mercado de petróleo ao fim das contas é um cartel. O maior do mundo diga-se de passagem. E quem o controla são os países produtores de petróleo. No momento que a Rússia ignora a quantia de produção combinada por estes membros, há disparidade sobre a quantia dessa commodity ofertada no mercado. Daí porque ao aumentar a oferta o preço tende a baixar. Mas, como não estamos falando de um mercado livre, e sim de um mercado “combinado”, vimos que num ato da Rússia em desrespeitar um “acordo”, a Arábia Saudita, que é a maior produtora de Petróleo do mundo, resolve por não cumprir também. Porque afinal, ela tem capacidade de produção, e se outro país busca ganhar produzindo mais, a Arábia também o fará. O resultado disso, é uma oferta anormal de tanto petróleo no mundo, o que pela relação de oferta-demanda, o preço baixa. O petróleo afeta o mundo pela simples razão de ser a principal fonte energética utilizada, e de modo quase instantâneo, mexe com a maioria dos contratos internacionais, desde o frete de navios, até a compra de aço. Da mesma forma, faz com que países que possuem como fonte primária de seu PIB o petróleo, tendam a ter prejuízos estratosféricos, como o exemplo da Venezuela. De outro modo, faz com que toda a cadeia de combustíveis fósseis tenha queda, fazendo com que postos de gasolina sintam na bomba a diminuição da margem de lucro”, esclarece.
Os preços seguiram em queda no decorrer das próximas semanas. No dia 26 do mesmo mês, a reunião do grupo dos 20 derruba ainda mais as cotações após supostamente ignorar a guerra de preços. Com isso, o WTI encerrou o mês de março cotado a US$ 20,08, uma queda de quase 58% no período. Já o tipo Brent US$ 26,25, totalizando uma redução de aproximadamente 48% no mês.
No dia 12 de abril, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e a Rússia concordaram com um corte na produção de 9,7 milhões de barris de petróleo por dia, durante os meses de maio e junho. O objetivo era apoiar os preços do petróleo, visto que a pandemia de coronavírus derrubou a demanda por combustível. Mesmo assim, os contratos futuros da commodity fecharam em queda, com os investidores temendo que o corte não fosse o suficiente. Porém, um dia após o acordo a Arábia Saudita, por meio da estatal Saudi Aramco, reduziu ainda mais os preços do petróleo.
Para Rodrigo Romero, sócio e economista da Inside, o “Petróleo é muito importante pra economia global. Crise nesse mercado traz volatilidade ao mercado de ações e não somente no Brasil. Acredito que em algum momento os grandes players devem promover algum ajuste nesse sentido. É do interesse de todos eles que o preço fique em um ponto que permita o bom andamento dos negócios no setor”, comenta.
Posteriormente, outro grande problema encontrado no que se refere a commodity foi sua armazenagem. O economista e professor na Universidade Franciscana Mateus Frozza disserta que a demanda mundial por combustível diminuiu motivado pela Covid-19, “as pessoas que estão em casa não abastecem e quem está trabalhando diminuiu a frequência. Quem abastecia uma vez na semana passou a abastecer a cada 15 dias, ou até mesmo uma vez por mês [por exemplo]. Isso ocasionou no mundo inteiro a falta de local para armazenar. As distribuidoras têm muito combustível para vender aos postos, ou seja, tem muita oferta, e muita oferta é preço baixo. Por isso caiu o preço do combustível”.
O que talvez nem os mais pessimistas esperavam, é que o contrato futuro de petróleo iria fechar negativo pela 1ª vez na história. Isso mesmo, negativo. O contrato do WTI para maio, com vencimento no dia 21 de abril, chegou a recuar mais de 300% na véspera, e fechou a US$ -37,63 por barril. As posições de contratos futuros abertas no dia do vencimento pressupõem entrega física da commodity, porém, com os estoques em capacidade máxima em virtude da queda da demanda, os investidores tentaram vender a todo custo os papéis no dia 20 de abril, véspera do vencimento. Com outras palavras, significa que os investidores pagaram para se livrar da necessidade de receber o petróleo físico após o vencimento.
O Banco Mundial projeta uma redução na demanda do petróleo em 9,3 milhões de barris ao dia em de 2020, ficando em 91,7 milhões de bpd.
A crise do coronavírus também impactou as demais commodities. Para a LMF UFSM, “assim como diversos outros mercados, as commodities compõem a cadeia produtiva e comercial da economia nacional e mundial. Sendo assim, a queda na demanda de um produto afetará diretamente na demanda por sua matéria prima, como o minério de ferro por exemplo, impactando diretamente em seu preço, criando um tendência de baixa a curto prazo. A diminuição das margens de lucro, por causa do aumento de custos de transporte e higiene, e uma possível desconexão entre setores importadores e exportadores devido a súbita queda na demanda e paralisação heterogênea da economia mundial também influenciam esse mercado”, esclarece.
Ações
Como cita o economista e professor na Universidade Franciscana Mateus Frozza, “o tempo da ciência é um tempo e o tempo da economia é outro tempo. A ciência é longo prazo, para ter a solução, para ter a vacina, para ter a adaptação. A economia é curto prazo, pois o impacto econômico é de um dia para o outro, é de uma semana para a outra. Influência no vestuário, influencia na alimentação. Por isso temos que tomar cuidado com essa crise. A origem dela não é gerada pela economia, e sim pela saúde, por isso que ela é tão nova para todos nós. Geralmente as crises são econômicas, essa não. O start dela é na saúde e por isso que estamos demorando muito para saber como lidar”.
A argumentação de Frozza é perfeita para iniciar uma análise de como o mercado de ações reagiu a pandemia de coronavírus (e claro, a guerra de preços do petróleo) no período de maior volatilidade. Quer um spoiler? 6 circuit breaker em 8 pregões. Poisé! E não, você não leu errado.
A primeira queda considerável na bolsa brasileira ocorreu ainda lá em janeiro, no dia 27. Mesmo sem casos confirmados no país, os temores sobre a rápida disseminação do coronavírus no mundo inteiro fizeram o ibovespa fechar em queda de 3,29%, a 114.481 pontos. Na ocasião, o impacto derrubou as cotações de empresas siderúrgicas e mineradoras.
No mês de fevereiro, enquanto as negociações estavam suspensas na B3 devido ao feriadão de carnaval, os mercados globais despencaram com a expansão da Covid-19. O S&P 500 (Eua) caiu 6,1% nos dias 24 e 25 de fevereiro. Nos mesmos dias, o Nasdaq e Dow Jones (Eua) recuaram 6,3%; Dax (Alemanha) 5,8%; FTSE MIB (Itália) 6,9%; PSI 20 (Portugal) 5,7%; KOSPI (Coreia do Sul) 2,7%. No retorno das negociações, na quarta-feira, dia 26, a expectativa já era de que a bolsa brasileira acompanharia a queda dos últimos dois dias nos mercados mundiais, o que ainda foi agravado após o Brasil confirmar o primeiro caso de coronavírus no país. Com isso, o Ibovespa encerrou o dia em queda de 7%, a 105.718 pontos.
Nos próximos dias, o índice teve uma pequena recuperação, a 107.224 no dia 04 de março. E foi a partir disso que, em um ditado popular, o bicho pegou. Uma sequência de quedas que fez a bolsa ter seis circuit breakers em apenas oito pregões. O primeiro ocorreu meia hora após a abertura do pregão da segunda-feira, 09, onde além da Covid-19, o mercado reagiu a guerra de preços do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita. O Ibovespa fechou em 86.067, redução superior a 12% apenas naquele dia.
O dia 10 de março foi de alta na bolsa brasileira, com o Ibovespa subindo 7,1%, a 92.214 pontos. Porém, o dia 11 registrou o segundo circuit breaker, após a Organização Mundial de Saúde (OMS) elevar o estado do coronavírus para pandemia. O índice caiu a um patamar pouco abaixo do dia 09, com uma redução de 7,6%, fechando em 85.171 pontos.
A quinta-feira, dia 12 de março, ficou marcada por ativar o botão do pânico duas vezes durante o pregão. Fato que havia ocorrido pela última vez em outubro de outubro de 2008. A queda foi puxada pelas companhias aéreas, após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, restringir viagens da Europa em virtude do coronavírus, e também pela guerra dos preços do petróleo, com os países envolvidos afirmando que iriam elevar a produção, o que derrubou a cotação das petroleiras. O Ibovespa fechou em 72.582 pontos, queda de 14,7%.
Após o tombo, a bolsa disparou quase 14% no dia seguinte, sexta-feira, 13, fechando em 82.677 pontos, devido às medidas de estímulo à economia anunciadas e com a expectativa de novas no decorrer dos próximos dias. Porém, a semana seguinte iniciou com forte queda. O pregão do dia 16 registrou o quinto circuit breaker e encerrou o dia com redução de 13,9%, a 71.168 pontos, motivada pelo corte inesperado do Federal Reserve (banco central americano) na taxa básica de juros dos Estados Unidos.
O dia 17 de março registrou uma pequena alta de 4,8%, encerrando a 74.617 pontos, mesmo com a tensão dos efeitos econômicos da Covid-19. Por fim, o sexto circuit breaker em oito pregões foi registrado na quarta-feira, 18. A motivação foi de que as medidas drásticas dos governos não seriam suficientes para combater os impactos do coronavírus, não conseguindo evitar uma recessão global. Naquele dia o Ibovespa encerrou em queda de 10,3%, a 66.894 pontos.
Assim, considerando o pregão pós carnaval, em 26 de fevereiro, até o menor nível de fechamento do ano, em 23 de março, o principal índice brasileiro registrou uma redução de 44%, saindo de 113.631 para 63.569 pontos, em apenas 19 pregões. As fortes quedas também foram registradas nos demais índices do mundo, mas neste caso, levando em consideração o prazo inicial de 24 de fevereiro, visto que não há a paralisação do carnaval. S&P 500 caiu 33,4%; Nasdaq 26,1%; Dow Jones 35,9%; Dax 35,6%; FTSE MIB 37,1%; PSI 20 33,1%; KOSPI 31,4%; NIKKEI 225 (Japão) 27,7%; RTS (Rússia) 42%.
Graficamente falando, o analista Dalton Vieira realizou uma análise da bolsa após a demissão do então ministro da justiça Sérgio Moro, no pregão do dia 24 de abril. No gráfico mensal do índice, ele relata um final da tendência de alta, visto que o nível de suporte e resistência em torno dos 86 mil pontos “passou direto” durante a queda de março, e que em um processo de recuperação pode funcionar como um ponto de resistência. Acrescenta que, no momento, o nível mais importante de suporte está na região dos 72.700 até 70 mil pontos.
Para muitos investidores e analistas, o período de “turbulência” oportunizou a compra de boas ações em “promoção” para quem visa o longo prazo, com preços abaixo do considerado justo. Como cita Marcos Nascimento, assessor da Manhattan Investimentos, “os analistas têm recomendado comprar aos poucos, pois são momentos de incertezas, e com isso, você pode investir agora e amanhã cair mais ainda, logo, a entrada aos poucos faz sentido, até por que já temos empresas com valores muito descontados do seu preço real e entrar nelas agora seria uma grande pechincha”.
É o que também prega Rodrigo Romero, sócio e economista da Inside. “Os impactos de alterações de expectativa muito fortes como nesse caso são sempre exagerados, e isso vale para os momento de maior otimismo também. Não se esqueça que a bolsa caiu até 65.000 pontos, o que significa que parte já vem sendo corrigido. Estou otimista sim, apesar da surpresa de uma crise como essa em um momento onde o Brasil já vinha mostrando sinais de melhora na atividade econômica. Eu não falo em curto prazo, isso importa muito pouco pra mim, pra ser sincero. Sempre que analisamos bolsa no curto prazo estamos falando de volatilidade e humor de investidores. Nosso foco maior é na operação das empresas que não causam impacto no curto prazo. Qualquer valor gerado ou destruindo dentro de uma companhia vem com o tempo e a resultante disso também. Nada é do dia pra noite como parece quando olhamos apenas a bolsa”, comenta.
Quanto a queda em si, Nascimento relata que ela representa os momentos de incertezas futuras. “No começo tivemos o pânico geral do pessoal mais inexperiente, o que acabou causando uma queda forte e desproporcional aos fatos, tanto é que bolsa já vinha se recuperando, porém, por esses dias tivemos alguns acréscimos a toda insegurança futura do coronavírus, temos também a crise no petróleo e a saída do ministro da justiça. Tudo isso reflete negativamente na bolsa e no cenário econômico como um todo. No curto prazo, o cenário é de muita volatilidade e incertezas, eu sempre penso em uma carteira para o longo prazo, neste, com certeza estou bem otimista”, expõe.
Segundo quadro divulgado pela B3 em março de 2020, a bolsa brasileira possui mais de 2,2 milhões de investidores. O número é fruto de um forte crescimento nos últimos anos. No final de 2016, o total de investidores era de 564 mil. Mas não se engane, sob outra ótica, o número atual continua baixíssimo, pois equivale a apenas 1% da população do Brasil. Afins de comparação, mais da metade da população americana investe no mercado acionário.
Breno Ferreira é um dos novos investidores pessoa física da bolsa e criador de conteúdo relacionado a investimentos e negócios. Ele conta que o circuit breaker do dia 9 de março foi seu primeiro. “Acordei pela manhã e vi várias notícias. As pessoas estavam nervosas e o mercado tinha caído mais de 10%. Eu não fiquei com medo, pois eu entendia que aquela queda só tinha ocorrido devido à apreensão e medo das pessoas, fatores que interferem no curto prazo, mas não no longo. Então vi aquilo como uma oportunidade e não vendi nenhum ativo para minimizar prejuízos, embora foi bem agoniante ver meu patrimônio ser reduzido a quase 40%. Havia estudado muito e sempre li que em momentos de crise o mercado sofreria essas quedas bruscas, de 30 ou 40%. Então vi como o momento para pôr em prática tudo que aprendi. Acabei vendo esses circuit breakers como uma grande forma de aprendizado que vou levar pro resto da vida. E claro, aproveitei algumas oportunidades de empresas muitos boas que estavam baratas”, diz.
No que diz respeito aos setores mais prejudicados com a crise causada pela pandemia de coronavírus, um que sofreu e muito foi o aéreo. Com a suspensão das viagens aéreas, causada pelo fechamento de fronteiras e medidas de isolamento social, boa parte da frota das companhias está parada e os funcionários liberados. O impacto também abrange os fabricantes de aeronaves, que devem registrar queda significativa no número de produções, nos próximos anos. O assessor Marcos Nascimento conta que “com base no que nos foi passado [pelos analistas], os setores que mais pereceram foram os da aviação e turismo, com destaque para CVC e AZUL, foram ações que caíram bastante na bolsa, e que levarão mais tempo para retornar aos patamares, ainda com possíveis risco de quebras”. Em 18 de março, as ações da CVC registravam queda de 85% no ano, e as da Azul 82%. Na cotação atual, a redução é aproximadamente 70% e 73%, respectivamente. As ações da Gol também caíram consideravelmente, mais de 84% no pior patamar do ano, e 69% na preço atual.
Como já explicado, a guerra de preços do petróleo teve influência na grande volatilidade dos mercados globais. Na queda da commodity em 9 de maio, as ações da Petrobras caíram 29,7%, com as ordinárias fechando a R$ 16,92, patamar registrado pela última vez junho de 2018. A estatal afirmou recentemente que se prepara para sobreviver no cenário com o barril do petróleo a menos de US$ 25. No preço atual, as perdas do ano são de 43% nas ordinárias e 42% nas preferenciais.
Com a medida de prevenção que determinou lojas e shoppings fechados, o coronavírus também reduziu drasticamente as projeções de empresas do ramo do varejo. Na Via Varejo, responsável pelas Casas Bahia e Ponto Frio, a queda nas receitas chegaram a 70%. A solução encontrada foi focar no e-commerce, e parece estar dando resultado, pois estima-se que o comércio eletrônico ganhou mais de 4 milhões de novos clientes. Assim, a confiança melhorou por partes dos investidores, refletida no aumento do preço das ações. As da Via Varejo chegaram a R$ 4,10, na menor cotação do ano, e após liderar o Ibovespa no mês de abril, com uma alta superior a 70%, o preço está acima dos R$ 9. Mas ainda bem longe dos R$ 16,64 registrado em 21 de fevereiro, exatamente o último pregão antes das fortes quedas.
A rede Magazine Luiza é considerada a preferida do setor por muitos investidores e analistas. O crescimento constante nas receitas e lucros fez as ações da empresa saírem de centavos (valor atualizado após os desdobramentos) para mais de R$ 50. Um aumento de 3000%. Com a pandemia de coronavírus, muitos viram a oportunidade perfeita para se tornar sócio da varejista, após as ações chegarem até R$ 25, a mínima de um pregão. O bom uso do e-commerce pela empresa fez as ações retornarem rapidamente ao patamar dos R$ 50.
A B2W Digital, responsável pelas Lojas Americanas, Shoptime e Submarino, igualmente das demais, teve fortes impactos. Similar na Magazine Luiza, o comércio digital se tornou um grande aliado para reduzir essa queda de faturamento. Assim, as ações da empresa saíram dos R$ 50, registrados durante março, e por incrível que pareça, pelo menos no momento atual da economia, bateram a máxima das últimas 52 semanas, em R$ 77,79.
Por fim, outro setor que sofreu forte redução e merece abordagem é o imobiliário e de construção cívil. Além de medidas como a suspensão do funcionamento dos shoppings (mais abordada em FIIs), influenciando diretamente no rendimento dos ativos, o setor também possui outros obstáculos. Um deles, são os distratos, que significa a devolução de imóveis comprados na planta. Além disso, a venda nos prontos e usados deve ter uma queda de 50% a 70% no curto prazo. Tudo isso leva a uma desaceleração no setor, pois com a renegociação (ou ainda tentativa de suspensão) de aluguéis e a redução na compra e venda de imóveis, as construtoras terão mais estoques disponíveis, reduzindo o ritmo de produção. Tudo isso refletiu diretamente no preço das ações da JHSF, por exemplo, que é uma empresa com atuação em shoppings, incorporação imobiliária, hotelaria, dentre outros negócios. As ações da empresa chegaram a cair 57% no ano, e atualmente estão em 43% de redução. A situação é pouco pior nas ações da construtora Even, que reduziu 64% no pior cenário do ano, e com a cotação atual 58%.
*Cotações segundo Trading View e Google Finanças
Glossário
- a.m: Ao mês
- a.a: Ao ano
- FoMO: Abreviação de Fear of missing out. Resumidamente é o medo de ficar de fora de algo ou perder algo.
- Market cap: Capitalização de mercado. Valor total das ações de uma empresa ou moedas disponíveis do criptomercado.
- IFIX: Índice de Fundos de Investimento Imobiliário. É o principal indicador do desempenho médio dos FIIs por meio de uma carteira teórica de ativos.
- Ibovespa: Principal indicador do desempenho médio das ações negociadas na bolsa de valores brasileira, a B3. É formado por uma carteira teórica com as ações que possuem maior volume de negociação dos últimos meses.
- S&P500: Abreviação de Standard & Poor’s 500. Índice composto por 500 ativos negociados nas bolsas americanas.
- Nasdaq: Nasdaq Composite. Índice financeiro dos ativos listados na bolsa de valores Nasdaq.
- Dow Jones: Índice baseado na cotação das ações de 30 grandes empresas americanas listadas na Bolsa de Nova Iorque (NYSE).
- Dax: Índice de ações composto por 30 das maiores e mais líquidas empresas alemãs que são negociadas na Bolsa de Frankfurt.
- FTSE MIB: índice financeiro de referência da Borsa Italiana, a única bolsa de valores italiana, sediada em Milão. Composto pelas 40 classes de ações mais negociadas.
- PSI 20: Principal índice do mercado de capitais de Portugal. É formado pelas 20 maiores empresas listadas na Euronext Lisboa, Bolsa de Valores de Lisboa.
- KOSPI: Abreviação de Korea Composite Stock Price Index. É o índice da bolsa sul-coreana. Composto por mais de 700 empresas listadas na Bolsa de Valores da Coreia do Sul, a Korea Stock Exchange.
- NIKKEI 225: Também conhecido como Nikkei Stock Average. É o índice da Bolsa de Valores de Tóquio, baseado em 225 ações listadas.
- RTS: Também conhecido como RTSI, de RTS Index, é o índice da Bolsa de Valores de Moscovo e é composto por 50 ações russas.